Luta contra falsificações do BI em Moçambique
A falsificação dos bilhetes nacionais de identidade (BI) é um gran problema hoje em dia em Moçambique.
Aqui está uma parte da entrevista do jornal "Notícias" do diretor de Identificação Civil, Domingo Jofane, que nos explica como as autoridades debelam essas fraudes:
O diretor D. Jofane (Foto: Online Noticias) |
NOTÍCIAS (NOT)– Senhor director, há uma percepção algo generalizada de que o Bilhete de Identidade moçambicano é dos documentos mais fáceis de obter por cidadãos estrangeiros, usando circuitos ilícitos. Até que ponto isso corresponde à verdade?
DOMINGOS JOFANE (D J) –Não é bem assim. Temos estado a detectar muitas situações de pessoas não elegíveis que procuram, a qualquer preço, obter a nacionalidade moçambicana. Muitos querem ter a nacionalidade moçambicana e para eles não importa que isso seja de forma ilegal, sobretudo porque o país está a viver um momento importante da sua história no que concerne ao desenvolvimento, crescimento da economia, estabilidade e muitos outros factores. Por vias ilícitas, há estrangeiros que tentam obter os nossos documentos para daí se fazerem passar de moçambicanos e tirar os benefícios correspondentes. Temos estado a trabalhar com os colegas do Registo Civil, no sentido de em conjunto debelarmos isso. Infelizmente ainda usamos documentos físicos, embora hoje em dia haja tecnologias de alta resolução que andam à disposição de qualquer um. Gente de má fé tem-se aproveitado disso para fazer a contrafacção dos documentos relativos aos registos. Sempre que há um caso dessa natureza, através de mecanismos apropriados, contactamos os nossos colegas do Registo que confirmam a falsidade ou autenticidade daquele documento. Sendo falso, naturalmente que desencadeamos mecanismos judiciais junto das entidades apropriadas no sentido de se proceder de acordo com a lei, porque estamos em presença de um crime de falsificação.
"O nosso BI é atribuído apenas ao cidadão moçambicano"
NOT – Está a dizer, então, que a suposta venda de BI não passa de uma falácia?
DJ -Definitivamente e em absoluto é uma mentira. O nosso BI é atribuído apenas ao cidadão moçambicano. Pode haver uma e outra falha, o que é próprio de quem trabalha. Mas no caso de descobrirmos a posterior, temos desencadeado um mecanismo interno de cassação desse BI de modo a repormos a legalidade. Esses casos normalmente acontecem por lapso ou má fé de um ou outro funcionário que terá facilitado a sua obtenção. Temos peritos que de forma rotineira têm inspeccionado casos suspeitos de atribuição ilegal de BI. Na nossa coordenação com os outros serviços feito tudo para detectar casos irregulares.
NOT– Também consta que há bilhetes de identidade produzidos mas com dados falsos…
DJ –Temos casos de pessoas que adulteram dados de identificação. Alguns se fazem passar por pessoas que não são e outras alteram pura e simplesmente a idade ou os nomes para fins inconfessáveis. Naturalmente que nos interessa alertar aos cidadãos que não adianta enveredar por este caminho porque nós estamos a usar um sistema que faz a decoração dos dados com base na biometria. Os dados constantes no sistema estão associados ao próprio homem. Se a pessoa solicitar a emissão do bilhete com determinados dados, o sistema agrega na sua base de dados e aparece com outros elementos que não são compatíveis. Certamente que na comparação de dados o sistema irá buscar os primeiros dados. Exemplificando, se hoje solicito o bilhete com o nome de João, o sistema vai dizer-me que eu já estive lá e requeri um outro documento com o nome de Joaquim, isto por causa dos dados biométricos que lá ficaram. Isso já é falsificação e matéria para o fórum criminal. Daí que alerto aos cidadãos no sentido de abandonarem este tipo de comportamento.
"Temos um banco de dados forte e (...) todos os casos de irregularidade conseguimos os detectar"
NOT –Muitos cidadãos queixam-se de dificuldades para obter o BI. Passados quatro anos da implementação do processo biométrico ainda se justificam tais dificuldades?
DJ - Temos estado a emitir o BI à escala nacional, desdobrando-nos, inclusivamente, em equipas móveis de atendimento público para permitir que as pessoas que vivem distante dos centros fixos também tenham acesso ao bilhete, sem precisar de percorrer longas distâncias. Também temos brigadas em escolas e nas empresas. Agora o grande problema que temos é que depois de tratarem os documentos, as pessoas não os levantam, facto que fez com que tenhamos que direccionar os escassos recursos de que dispomos para, em coordenação com as estruturas administrativas locais desencadear um outro processo de localização das pessoas. Sistematicamente somos obrigados a deslocar equipas para os bairros no sentido de confirmar se os requentes são dessas zonas ou não. Só depois de identificadas as pessoas é que procedemos a entrega dos bilhetes.
NOT –Essa estratégia tem estado a resultar?
DJ – Muito. Também temos estado a ensaiar, a nível das cidades de Maputo, Xai-Xai e Beira a utilização de telemóveis. O número de celular é agregado aos dados da pessoa e, quando o bilhete fica pronto, facilmente a contactamos para vir levantar. Infelizmente, nem todos os cidadãos fornecem números correctos. Vezes sem conta ligamos e o número está fora da área de cobertura. Mas acreditamos no processo e vamos incrementá-lo por ser simples.
ALUNOS ENVOLVIDOS NA FALSIFICAÇÃO
Foto: Online Noticias |
NOT –Um dos casos que sempre vem à ribalta é o da falsificação do Bilhete de Identidade por alunos que pretendem participar nos jogos desportivos escolares. Tratando-se de um problema antigo por que é que não se consegue resolver?
DJ -Na última competição realizada na cidade de Tete detectámos 30 casos de falsificação de BI. Muitos dos que estavam envolvidos neste esquemas já tinham bilhete e, uma vez que estavam com idade avançada mas queriam participar no festival, falsificaram os documentos de registo de nascimento e tentaram aparecer como se estivessem a pedi-lo pela primeira vez. Conseguimos detectar por causa deste sistema montado que confronta os dados na nossa base de dados que eram diferentes com os que as pessoas nos apresentavam.
NOT– Os chefes de quarteirões e outras figuras autorizadas a emitir declarações também são apontadas como estando a cobrar avultadas somas para emitir documentos a favor de estrangeiros que pretendem obter o BI. É do vosso conhecimento está prática?
DJ– O ponto é o seguinte. Como DIC não atribuímos a nacionalidade moçambicana a ninguém, ou seja, não vendemos BI a quem quer que seja. Não atribuímos BI a cidadãos que não sejam moçambicanos. Quem não é moçambicano não lhe é atribuído o bilhete. Relativamente à questão que me coloca, a coisa não se processa assim. Há uma percepção errada de que todo o estrangeiro será estrangeiro para sempre em Moçambique. Não é bem assim. A lei diz que verificadas determinadas condições, um indivíduo que outrora viveu em Moçambique como estrangeiro pode ascender a condição de moçambicano, naturalizando-se. Por exemplo, se viveu cá dez anos e oferece as garantias da lei, pode requerer a quem de direito que lhe será atribuída a nacionalidade moçambicana, se for o caso. Também pode ser por via do casamento: casa com uma moçambicana ou com um moçambicano, viveu cinco anos, quer ser nacional, pode ser do ponto de vista de Bilhete de Identidade. Naturalmente que, um dos requisitos para que alguém requeira a nacionalidade moçambicana é o atestado de residência que confirma que ele reside cá há mais de dez anos ou na situação de casado há cinco anos. Quem confirma estes dados são os chefes dos bairros e do distrito. Também, é preciso juntar a documentação da direcção dos registos. Esta informação é confrontada com a que consta dos serviços de migração e dos serviços fiscais que tem de provar que ele cumpre com as suas obrigações, com o seu emprego e capacidade de sustento.
"Estamos a trabalhar com vista a munir todos os moçambicanos de BI"
NOT –Há ou não envolvimento de funcionários da DIC nos esquemas de falsificação de BI?
DJ– Só este ano, foram instaurados 12 processos envolvendo funcionários que terão tentado facilitar a obtenção do bilhete por indivíduos não elegíveis, no caso concreto pessoas estrangeiras. Aproveitando-se de algumas fragilidades, quer seja humanas ou institucionais, recorrem a meios fraudulentos para a obtenção dos documentos, a começar pela contrafacção dos assentos de nascimento. Tenho em mesa um processo de um indivíduo de nacionalidade tanzaniana que, aproveitando-se das fragilidades do sistema, arranjou duas testemunhas e fizeram a declaração de registo de nascimento dele. Tentou tratar o BI e inclusive já tinha sido cadastrado.
NOT –E como foi detectado?
DJ – Como há cruzamento de informação com a conservatória, na conversa com o funcionário que o atendia, este, usando métodos próprios da instituição, foi-lhe indagando sobre algumas coisas, uma vez que ele tinha-se apercebido de que aquele expediente apresentava problemas. Remeteu o expediente à decisão superior. Foi provar-se que o registo de nascimento apresentado não existia. Era falso. Posso ainda citar o caso de um zimbabweano que tentou obter BI, forjando o assento de nascimento. A conservatória na qual constava que ele teria sido registado pronunciou-se desfavoravelmente. Também se provou que é falsa, e isso era visível nalgumas características que os documentos trazem a partir da própria assinatura dos conservadores. Situações desta natureza são remetidas imediatamente à Polícia.
NOT –Tem mais ou menos uma ideia do volume de documentos falsos que conseguiram detectar nos últimos tempos?
DJ –Só nos últimos nove meses, isto até Setembro, registámos cerca de 1800 casos de indivíduos, incluindo moçambicanos e estrangeiros, que por meio de registo falso tentaram obter o Bilhete de Identidade. Tenho um caso em mãos de um cidadão que vive na Alemanha e veio cá de férias. No lugar de pegar o seu assento de nascimento e procurar tratar o BI, pegou no assento do irmão mais velho e veio procurar tratar o documento. Como o irmão já tem bilhete de identidade, o sistema rejeitou logo porque os dados já constam do nosso banco de dados. Notificámos os dois e o titular do assento confirmou tratar-se do seu irmão e não encontrou justificação para o sucedido, uma vez que ele mesmo podia solicitar o seu assento e obter o BI normalmente.
NOT – E quais tem sido as justificações para este e outros tipos de comportamento?
DJ– Aparentemente não existe uma motivação forte. É tudo desleixo ou capricho. Alguns até procuram testar a nossa eficiência, mas está provado que temos um banco de dados forte e que todos os casos de irregularidade conseguimos os detectar.
O BI de Moçambique (Foto: Semlex) |
DEZ MIL BI’S POR DIA
NOT –Qual é a capacidade instalada da DIC neste momento?
DJ– Estamos com uma capacidade na ordem dos 10 mil bilhetes, por dia. A recolha de dados é feita a nível nacional e a produção é feita exclusivamente em Maputo, mas tudo indica que estamos a subir para 20 mil bilhetes, por dia. Na diáspora emitimos cerca de três mil bilhetes. Alguns mandataram os familiares com os respectivos assentos o que facilita o processo, visto que nem sempre tem a possibilidade de se deslocar ao país para o fazer.
NOT –Como é que esta meta de 20 mil será alcançada?
DJ –Estamos a desenvolver uma campanha no sentido de atribuir o BI a todos os cidadãos que ainda não o têm. Estamos a falar daqueles indivíduos que vivem em zonas onde os serviços ainda não chegaram. Nestes locais, a vida tem corrido normalmente, mas as pessoas não têm BI´s. Com documentação, os indivíduos estarão em condições de exercitar diversas actividades como moçambicanos. Isto também vai ajudar a distinguir quem é nacional e quem é estrangeiro. Imaginemos numa situação em que temos linha de fronteira aberta. Se este indivíduo não tem BI a gente não sabe dizer se é daqui ou do país vizinho. Agora, documentado é fácil. Hoje em dia existem iniciativas de desenvolvimento local com a alocação de fundos. Sem BI dificilmente a pessoa poderá ter fundos. Não se pode candidatar sem documento. As empresas hoje em dia pagam via banco e sem documentação não poderá abrir conta. Portanto, estamos a trabalhar com vista a munir todos os moçambicanos de BI.
NOT – Há condições logísticas para levar a cabo essa tarefa?
DJ– Temos postos fixos nas capitais provinciais, nos distritos, postos administrativos e algumas localidades que têm denotado algum desenvolvimento económico. O novo modelo facilita porque o equipamento já vem preparado para captar a imagem e processar o talão, sem que seja necessário que a pessoa seja portadora de fotos.
HÁ 129 MIL BI’S NÃO RECLAMADOS
NOT –Quantos bilhetes de identidade continuam por ser levantados?
DJ –Neste momento temos cerca de 129 mil bilhetes de identidade, cujos titulares ainda não foram levantar. À medida que vamos produzindo eles vão para as províncias, daqui passam para o distrito e sucessivamente até ao local onde cada um tratou. Agora, como diariamente emitimos bilhetes, eles vão sendo agregados aos outros que já se encontram no guiché e com isso se fica numa situação de aparente congestionamento. Já tivemos situações em que nos nossos guichés a nível nacional tínhamos 400 mil bilhetes não levantados, alguns transitados de um ano para o outro, coisa que actualmente já não se verifica.
NOT –E como é que se justifica que muitos cidadãos reclamem pela demora na emissão dos seus BI’s se há tantos outros, prontos, à espera que os titulares os levantem?
DJ– Este é o tal paradoxo. Nem sempre tem a ver com o facto de o BI não ter saído por atraso ou por culpa nossa. Não é isso. Tem a ver com a problemática da adulteração de dados. Deixa-me dizer que este processo foi introduzido em Outubro de 2009, na cidade de Maputo, Beira, Quelimane e Nampula. Gradualmente fomos estendendo o sistema até ao distrito, o que foi concluído em 2012. Nalguns pontos colocamos painéis solares para fazer face à falta de energia. De lá para cá temos cerca de 12 mil casos de tentativa de adulteração de Bilhete de Identidade. A resolução destes problemas tem sido caso a caso, onde em determinadas situações cancelamos o registo e os de natureza criminal tem sido encaminhados à Polícia. Os tribunais têm estado a julgar casos para determinar por que as pessoas queriam falsificar a documentação, com muitas delas responsabilizadas.
NOT – Há mais casos de lapso ou de adulteração de dados?
DJ– Do que constatamos é que houve intenção de falsificar os dados. Por alguma razão as pessoas entram em actos ilícitos porque querem conseguir um emprego até bolsa de estudo. Mais deixe-me aproveitar esta ocasião para apelar a todos os cidadãos que trataram o BI para virem cá levantá-los.
Créditos: Onine Noticias: http://www.jornalnoticias.co.mz/index.php/primeiro-plano/5760-domingos-jofane-director-nacional-de-identificacao-civil-bi-nao-esta-a-venda
Semlex Group: http://www.semlex.com/pt-pt/semlex-group/
Libellés : assentos de nascimento, BI, bilhete de identidade, biométria, carta, civil, falácia, falsificação, fraude, identificação, moçambique, nacionalidade moçambicana, noticias, Polícia, Semlex